Significado de Amorosidade
s.f. Particularidade ou
característica do que é amoroso; qualidade da pessoa que expressa ou sente
amor.
(Etm. amoroso + (i)dade)
(Etm. amoroso + (i)dade)
Sinônimos de Amorosidade
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Amorosidade
Dizem que falta
amorosidade entre as pessoas nos dias de hoje.
O que
exatamente isso significa?
– há dois tipos
de pessoas no mundo. As que vivem em estado de egoísmo e as que vivem em estado
de amor.
Faz muito tempo
que eu escutei essa ponderação de uma pessoa muito amorosa, inteligente e uma
pianista excepcional: a professora Adelaide Moritz, minha mestra na música e na
vida. Nunca me esqueci de sua análise por dois motivos: porque ao colocar
“estado de” antes dos substantivos egoísmo e amor, ela criou uma nova
classificação da condição humana; e porque ela qualificou o egoísmo como o
antônimo de amor, e não o ódio, como seria de esperar.
Ela fez isso
porque não se referia ao amor em si, e sim à condição de amar como um jeito de
ser. É quase uma filosofia viver em estado de amor, o mesmo que estar conectado
com o mundo por um cordão de luz, que ilumina as relações e as torna sempre
agradáveis, independentemente de serem afetivas, familiares ou profissionais.
Por outro lado,
viver em estado de egoísmo seria o mesmo que criar um cordão de isolamento que
afasta as pessoas e condena seu “usuário” a uma vida pobre de espírito e curta
de esperança. Viver em egoísmo significa querer só para si, não compartilhar,
desconsiderar as necessidades e os sentimentos alheios. Ser um habitante do
estado de egoísmo é o mesmo que declarar guerra ao mundo, usando como armas as
palavras duras, a desconfiança permanente, o desrespeito latente.
Todos
conhecemos pessoas dos dois tipos, mas vou falar aqui do primeiro jeito de ser,
claro. Das pessoas que, por índole e por opção, vivem em amorosidade, o que não
significa que não possam ser duras se isso for necessário para reinstalar a
ordem no mundo ao seu redor. Lembro que a professora Adelaide era amada por
seus alunos até quando, exigente, mostrava que não estava satisfeita com o
desempenho deles. Pessoas amorosas são assim, são amadas porque são amorosas e
são amorosas porque não têm medo de ser amadas. Há quem diga que amar é fácil e
que ser amado é difícil. Os verdadeiramente amorosos deixam aberto o caminho
nos dois sentidos.
Mas é
importante esclarecer que ser digno de amor não é ser bonzinho, certinho,
modesto e gentil para fazer amigos e influenciar pessoas. Isso é ser polido,
amável. “a polidez é um simulacro da moral”, afirma o filósofo André
Comte-Sponville, que se deu ao trabalho de escrever o pequeno tratado das
grandes virtudes.
Ele afirma que
agir de modo amável não é ser amoroso, mas é um bom começo. A esperança é que
da polidez surja o nobre sentimento, mas nada é certo. Ao preencher o amor que
lhe falta, por hábito ou por educação, a moralidade pode virar amorosidade, seu
estado mais alto. Ao atingir esse auge, as virtudes se dissolvem e viram uma
só, passando a ser praticadas sem artifício, ao natural, com amor verdadeiro.
Segundo essa
visão, viver em estado de amor pode ser uma opção, algo que pode ser
desenvolvido conscientemente, uma atitude que começa na mente e acaba
instalando no coração um novo jeito de ser. E o mundo agradece por isso.
A amorosidade
seria uma das manifestações da capacidade humana de amar?
Amorosidade não
é amor, é um hábito de quem é capaz de amar. Mas, para isso, é necessário viver
o amor em si, o que dá mais trabalho do que parece, pois há mais de um tipo de
amor, e só seremos completos quando visitarmos a todos. Para melhor
entendimento, sempre podemos beber da fonte segura do mundo grego antigo,
simples e coerente, e reduzir a essência do amor a três tons primários: Eros,
Philia E Ágape.
O mais
primitivo tipo de amor seria erótico. Egoísta, incompleto, é uma espécie de
desejo pela falta. A palavra vem de Eros, deus do amor, fruto da união de Pênia,
a penúria, com poros, o faustoso. Filho pobre, sujo, sem sapato, sem teto e
sempre faminto, herda do pai a atração pelo belo e pelo bom; é sagaz, caçador,
e está sempre a maquinar planos e a desejar mais e mais.
Eros nasceu de
um golpe de Pênia, dado enquanto poros dormia embriagado após a festa de
nascimento da deusa Afrodite. A deusa da penúria quis aliviar sua condição
miserável tendo um filho com o senhor da riqueza, e assim concebeu Eros. Desde
cedo ele viveu sob intensa atração pelo belo, mas oscilando entre os extremos,
pois era pobre porque não possuía nada e era rico porque guardava recursos
potenciais para gerar novas vidas. Eros quer sempre mais, cobiça sair de si
mesmo, corre sempre atrás do saber, da beleza, da fertilidade. É angustiado e
insaciável.
Sendo a forma
mais embusteira dentre todos os amores, o amor erótico geralmente consuma-se
pelo contato sexual. “na verdade, o amor delas (pessoas apaixonadas) é um
egoísmo a dois; elas são duas pessoas que se identificam uma com a outra e
resolvem o problema do estado de separação pelo encontro erótico”, diz o
psicanalista Erich Fromm. Amor sedento que busca embriagar-se mesmo quando já
saciado, ele é feito ausência cheia de vácuo; está sempre à espreita de alguma
completude inacabada, vazia. Assim é Eros.
Apesar de
necessário e próprio de nossa condição de humanos incompletos, Eros não
representa a amorosidade, apesar de poder ser parte dela como gerador de vida.
Esse estado começa – sim, apenas começa – a se manifestar através do segundo
modelo, o amor Philia, que é fraternal, companheiro. Menos estimulado pela
posse, esse tipo de sentimento cristaliza- se pela amizade, e seu prazer deriva
do simples ato de estar junto, de compartilhar momentos. Philia se alimenta da
conversa, do cuidado, da alegria, do compartilhamento. É generoso, mas tem lá
seu lado egoísta, apesar de se manifestar como altruísta, uma vez que se coloca
sempre a serviço do outro. Seu egoísmo deriva do fato de que ao servir ao amigo
sente prazer, por isso serve.
De Philia
surgiram nomes como filosofia, que significa o amor à sabedoria, ao
conhecimento. E em zoologia, o estudo dos animais, usa-se a palavra filo para
designar grandes grupos de espécies que têm afinidades entre si. Nós, humanos,
por exemplo, pertencemos ao filo dos vertebrados, porque, assim como os peixes,
as aves, os répteis e os outros mamíferos, temos uma coluna vertebral. Pois é,
até a ciência foi buscar inspiração nos mitos gregos para explicar suas
conclusões.
Bem acima
dessas coisas mundanas, como erotismo e amizade, encontramos o amor ágape, que
eleva o amor a um estado divino, imaculado. Na verdade, ele vai além do amor, é
universal, sem predileção nem eleição, é inteiramente desinteressado. Não é
paixão nem amizade, mas divino, criador. É ele que dá valor ao que não tem
nenhum valor em si mesmo. Ele não precifica capacidades, concede-as. É a
aceitação invariável do outro, seja ele quem for, amigo, inimigo ou indiferente.
Quem vive em
estado de amor e tem amorosidade como filosofia experimenta o amor ágape todos
os dias. Esse é um tema que não escapou aos filósofos. “na essência, todos os
seres humanos são idênticos. Na verdade, somos todos parte do um”, conclui Erich
Fromm, para explicar a amorosidade. “ser amado precede a graça de amar e
prepara o estado de amor”, pensa comte para explicar a origem de tudo.
Platão, em o
banquete, põe à mesa duas soluções para explicar a amorosidade: como não
podemos fugir de nossa incompletude, temos que direcionar nosso amor para
outros corpos e gerar filhos. Ou então expressá- lo por meio da arte, política,
poética, ciências, filosofias ou o que for, sempre dando prioridade ao belo. “seguir o amor sem nele se perder, obedecer
a ele sem nele se encerrar é transpor umas depois das outras as gradações do
amor: amar primeiro um só corpo, por sua beleza, depois todos os corpos belos,
depois a beleza que lhes é comum, depois a beleza das almas, que é superior à
dos corpos, depois a beleza que está nas ações e nas leis, depois a beleza que
está nas ciências, enfim, a beleza absoluta, eterna, sobrenatural, a do belo em
si, que existe em si mesmo, de todas as belas coisas que participam, de que
procedem e recebem sua beleza...”
Então ser amoroso
é ter capacidade de amar pelo amor em si, sem interesse, sem posse, assim como
uma mãe ama seu filho?
A amorosidade
está presente nas relações familiares, mas extrapola esse limite e transborda
para o mundo humano melhorando as relações. Entre os membros da família,
notadamente entre a mãe e o filho, a amorosidade ganha profundos contornos de
ágape, mas muitas vezes se perde nesse caminho, pois ágape pressupõe a
não-posse, e esse é um sentimento que a mãe tem que se esforçar muito para não
desenvolver.
Todas as mães
amam, mas há mães amorosas e mães possessivas. A amorosa sabe que seu filho
nasceu dela, mas não lhe pertence de verdade. Prepara o filho para a vida e
prepara-se pela deixá-lo partir e viver sua condição de indivíduo, com suas
virtudes e defeitos, conhecendo conquistas e riscos. A mãe possessiva é egoísta
e controladora. Ela exige amor e entrega porque ama e se entrega. Mas
amorosidade não é isso, não é moeda de troca nem objeto a ser compartilhado. O
amoroso, ao contrário, é libertário, não retém, não exige, não controla.
Amorosidade é uma condição humana elevada,
aproxima as pessoas do conjunto de virtudes, pois nela estão incluídos o
cuidado, o respeito, a confiança. A amorosidade é bela, boa e verdadeira. Se Eros,
Philia E Ágape são deuses que personificam o amor, a amorosidade é a qualidade
que eleva os humanos à condição de deuses. E o amor da mãe é o começo desse
treino para sermos divindades, pois é o primeiro, o maior, o mais puro e
completo. Só não pode ser egoísta, pois assim perderia a qualidade de produzir
amorosidade, uma vez que nesta encontramos também a liberdade, valor maior e
insubstituível.
Assim, concluímos, se amorosidade não é
amor, é por ele fertilizada e, ao fazer isso, gera uma sublime possibilidade
humana: a de construir a paz, essa insubstituível condição para a felicidade.
Texto: Eugenio
Mussak: o especialista em educação corporativa